sábado, 2 de agosto de 2008

Artigo do Tribuna do Brasil sobre o aborto

Descriminalização do aborto: o direito de decidir ...
Autor: Andréa Stefani (*)
Caros leitores, pensei bastante e até hesitei em escrever este artigo de opinião, já que esse tema muito me interessa e provoca-me (em mim e em várias outras mulheres suficientemente instrumentalizadas no assunto) certo mal-estar da maneira incorreta que tem sido abordado publicamente. Há algumas semanas, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), da Câmara dos Deputados, rejeitou por um número significativo de membros, o projeto de lei que descriminaliza a interrupção da gravidez de maneira voluntária. Tal projeto mofa naquela casa parlamentar há mais de 15 anos sem um único debate público sério e elucidativo para que a sociedade brasileira e, frisem-se, todas as mulheres brasileiras, tenham acesso às implicações da retirada do rol de crimes as práticas abortivas voluntárias, em casos específicos e sob supervisão médica e auxílio estatal. O deputado federal Eduardo Cunha (PMDB/RJ), relator do projeto, disse que se pautou no Direito à Vida, preceituado na Constituição Federal. Mas a qual vida ele se referiu? Seria a vida da gestante, que corre riscos de morte, ao tentar um aborto sem nenhuma segurança já que não teve acesso a métodos anticoncepcionais e não terá como cuidar de uma criança não planejada? Ou, à "vida" do último pilar (e forma de controle das populações!) da Igreja Católica? Será mesmo com um feto, por devir gente, que está preocupado o citado parlamentar? E os demais deputados? Não estariam mais inquietos com os milhões de votos ingênuos que perderiam sendo favoráveis a um projeto polêmico e causador de opiniões acaloradas? Ou será que mais crianças (anteriormente, fetos!) nos rincões são mais futuros eleitores para suas dinastias intermináveis, vivendo parlamentarmente da ignorância e da pobreza daquele eleitorado? Diante de cada voto proferido, segundo um jornal local, manifestantes de congregações religiosas presentes à CCJ, gritavam, aplaudiam, cantavam. Não sei por que comemoraram, já que todas as vezes que o Estado Democrático é atravessado por pensamentos religiosos quem perde é a sociedade inteira. Enquanto aquela turba de cristãos comemorava, centenas de mulheres pobres e certamente, negras ou afrodescendentes, completamente distantes das políticas públicas, do Estado e, absolutamente desesperadas, morriam nas mãos de "açougueiros" por motivos que só elas mesmas poderiam testemunhar. Dá para comemorar isso?Uma coisa para mim está muito clara em toda essa história: as religiões e alguns parlamentares populistas desejam (ainda e depois de milhares de anos!) controlar os corpos, desejos e as mentes das pessoas. Tenho tremores todas as vezes que alguém faz uso de argumentos metafísicos (religiosos, do "Outro Mundo", "de Deus", etc), em espaços públicos do Estado. Ou então, pega numa Bíblia, no Evangelho ou no Alcorão, ao invés de sustentar uma argumentação eminentemente jurídica, legislativa, com a Constituição Federal.Não se permitindo que uma mulher, madura, maior, civilmente capaz, sexualmente ativa, tenha o direito de controlar seu próprio corpo e o que fará dele, mesmo diante de algo tão importante como uma gravidez, parece-me um retorno à Idade Média, quando a própria Santa Sé nos queimava aos milhares. E, é óbvio que ninguém deseja abortar "a torto e a direito". As mulheres querem, assim como os homens, ter uma vida sexual satisfatória e plena, ter acesso a meios de se evitar as doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) e a Aids e modos de planejar quando ter filhos. Isso se resolve, primeiramente, com políticas públicas, com o Sistema Único de Saúde (SUS) efetivo, com educação social, com amplos debates sobre direitos sexuais e reprodutivos e, finalmente, com leis que atendam as necessidades dos vários grupos de mulheres que compõem a sociedade brasileira. Com esse infeliz episódio da Câmara dos Deputados, perdemos todos nós, cidadãs e cidadãos, uma grandiosa oportunidade de discutir e solucionar com seriedade e implicação uma causa de saúde pública, onde milhares de mulheres morrem todos os anos em decorrência de abortos mal feitos e outros milhares de crianças nascem sem serem desejadas, planejadas, sendo rejeitadas ao nascerem, tudo isso em nome do "Direito à Vida", segundo alguns legisladores. E isso tudo, senhores parlamentares, não se resolve com a leitura das páginas da Bíblia. Pelo menos não nos estabelecimentos públicos federais onde se deliberam atos normativos com efeitos para todos: católicos, evangélicos, espíritas, ateus ou gnósticos!
(*) Andréa Stefani é consultora em Direitos Humanos, colunista e estudiosa em Gênero e Feminismo. andréa.tribuna@gmail.com. Opine. Contribua. Divida. Comente. Participe.
Fonte : Tribuna do Brasil
Data : 22 de julho de 2008



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