domingo, 5 de junho de 2011

Autoentrevista: para mulheres que ainda têm esperanças de dias melhores

Andréa Stefani – artista, escritora, observadora-participante das relações humanas – vê nos encontros afetivos atuais entre mulheres e homens grandes abismos e mal entendidos, separando-os.

Com as expressões feministas das décadas passadas, as mulheres galgaram espaços o que, timidamente, tem resultado num início para a igualdade de oportunidades entre os gêneros – um sonho das gerações anteriores. Entretanto, perderam caminhos de si mesmas nas afetividades. Já os homens nem perderam, nem ganharam, continuam como sempre foram: estagnados. Segundo a artista, no futuro caberão às mulheres as escolhas de suas vidas e os rumos das relações de amor e sexo, já que os homens continuarão nos sofás, assistindo futebol e bebendo cerveja com os amigos. É a elas que se destina essa autoentrevista.

Autoentrevistadora:

Como você percebe as relações entre homens e mulheres na sociedade atual?

Andréa:

Tento ser otimista, mas as coisas tendem a ser cada dia mais conflituosas nas relações amorosas. A maioria das minhas amigas tem se mostrando muito insatisfeita com as relações íntimas. Parece que tem faltado muita coisa: contanto real, investimento na relação, qualidade no sexo e nas atividades prazerosas, diálogo. Não consigo ver nos homens o foco para descobrir, amar e transar com uma única mulher por um tempo maior. Eles têm pulverizado as atenções para transar com o maior número possível, como se estivessem numa competição em que ganha quem “comer” mais rapidamente o que estiver pela frente. Vejo nisso um péssimo retorno à adolescência, onde se tem pressa pela quantidade para parecer “mais homem”, mais experiente perante os demais. Diante desse comportamento infantil, as mulheres têm se dobrado aos desejos dos homens e se submetido a quaisquer migalhas de relação para não ficar sozinhas, mesmo que sejam condições inaceitáveis e contra suas vontades.

Autoentrevistadora:


Mas as mulheres não estão mais emponderadas e independentes? Elas ainda fazem qualquer coisa por homens?

Andréa:

Infelizmente sim. Nós fazemos muitas bobagens para manter uma relação de afeto com um homem. E o grande mistério é que muitas mulheres estão emponderadas e independentes. Estudamos mais, temos vários títulos, falamos mais idiomas, somos independentes, inteligentes e obstinadas, mas continuamos atraídas por homens de níveis econômico-social-intelectual mais baixos. Isso sem falar nos tipos “clássicos” da masculinidade atemporal: os cafajestes, os malandros, os galinhas, os broncos e aqueles que não têm recuperação: o que faz cara de sofredor, para despertar pena na gente (risos). O problema é que os homens não dão valor e não enxergam mais nada além de bunda e peitos explícitos. Não importa se você é PHD, fale diversos idiomas, seja inteligente e independente. Nem a beleza importa tanto. Eles só pensam em qual das mulheres que ele viu vai dar mais rápido para ele. E como eu disse, muitas mulheres acabam se desvalorizando – tornando-se uma “bunda-loira-de-peitão-com-saltão-de-acrílico” para conseguir atrair a atenção do cara e, quem sabe, fazê-lo amá-la, tão logo ele se canse da imagem da gostosona. O pior é que o cara não vai mudar, porque ele só sabe agir assim. Alguém ensinou a ele que as coisas são assim: homem que é homem age assim. E adivinhe que propaga essa conduta desvalorizadora das mulheres na mente dos homens? A mãe dele!

Conheci um tipo assim esses dias. Ele fez questão de me botar a par da “fila” de dez mulheres interessadas nele. Dizendo-se um homem “feminista” e compreendendo a “alma feminina” ele não mediu termos para me informar que os homens são “animais” que precisam ser “adestrados” – “tudo bicho!” – ele disse. Já as mulheres são sensíveis e amorosas – “é o natural da alma feminina”. Justificando essa suposta naturalidade nos comportamentos de mulheres e homens, ele sacou a máxima: “tem dez mulheres a fim de mim”. Entendi que com essa propaganda ele queria dizer que não estava muito a fim de jogo demorado. Ele estava procurando sexo mais rápido e com menos envolvimento. Pedi para ele me tirar da fila (risos).

Autoentrevistadora:
Em sua opinião o que está havendo com as mulheres ao se sujeitarem a esses modelos de homens?

Andréa:

Nessa sociedade cada vez mais rasa e impessoal, com a internet como possibilidade de se conhecer diversas pessoas ao mesmo tempo e a rapidez com que as pessoas têm de fazer o maior número de tarefas no menor espaço de tempo, todas nós mulheres procuramos alguém para que tudo isso tenha algum sentido, um conforto afetivo. Não se trata de “caçar” um cara, conquistá-lo e amarrá-lo a força num casamento como garantia de felicidade. Os homens – pelo menos alguns – não são animais que só pensam em sexo e nós mulheres, tão pouco, neuróticas querendo alguém para passar os anos reclamando de tudo. Os prognósticos são desanimadores: mais gente sozinha (ambos os gêneros); descrentes nas relações humanas; preferindo um macarrão instantâneo e novela das oito a conhecer alguém legal. Quem sabe um namorico pelo facebook? Dá um medo danado e uma angústia visceral procurar alguém, conhecer, investir para depois terminar em uma frustrante trepada mal feita.

Atualmente para as mulheres é menos doloroso (e menos decepcionante, também!) se afogar nas marcas de roupas e sapatos, se encher de perfumes e maquilagens das maisons francesas, comer chocolates, sonhar com os galãs das novelas e suas relações amorosas com as personagens femininas, do que encarar um homem com seus defeitos. O mercado já percebeu isso e hoje concebe as propagandas bem apelativas, mostrando casais lindos e felizes que compram roupas da moda, usam perfumes caros e circulam em carrões ultra-chiques. Inconscientemente, a gente se atira de cabeça nos produtos anunciados como tentativa de conseguir o homem estupendo “vendido” nas revistas.

Autoentrevistadora:
Então o futuro será desolador para as mulheres?

Andréa:

Creio que o futuro será desolador para toda a humanidade (risos). Mas nós mulheres não temos nada a temer. Homens bons ou não, relações ruins ou satisfatórias - temos vivido intensamente a possibilidade do encontro exitoso no sorriso de cada um dos que conhecemos. São tentativas de sucesso. O importante é não desistir de si mesma em função daquilo que talvez o outro nem possa nos dar. Eu tenho certeza de uma coisa: minha pele é o melhor lugar do Universo para eu ficar. Estando em mim mesma e comigo mesma - sendo coerente com quem sou e o que desejo para mim - as coisas acabam se encaixando. Não digo nada se em alguns anos os papéis não se modificarem de tal maneira que serão as mulheres quem escolherão, dentre os maravilhosos matizes de homens, aqueles que as agradarão por muito tempo. Desde que, é claro, tenhamos consciência de que tipos de mudanças podem ou não ser atendidas em cada tipo de homem, e – sobretudo – plena autoconsciência e autoconfiança em quem nós somos de verdade – nossa essência única e individual. Vai dar para continuar vivendo, sim e muito bem!

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